Tudo começou quando a artesã Maria de Fátima, 64 anos, carinhosamente conhecida na região por Fafá, percebeu a quantidade de couro de tilápia que era tirado dos peixes no mercado público e jogado no lixo. "Isso me entristeceu muito, porque quando eu vi, achei que ali daria um produto. Então tive a ideia de transformar a pele de tilápia em couro para realizar um sonho da população da nossa cidade: ter um produto próprio, devido aos criatórios de tilápia e o lago do Rio São Francisco, que passam na nossa porta", contou.
A artesã percorreu um longo caminho até o início da produção. A ideia foi levada ao então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, que deu o primeiro incentivo ao projeto. Mas só em 2019 o programa Valorizando a Pele ganhou impulso, com ajuda da Secretaria do Trabalho, Emprego e Qualificação do Estado (Seteq-PE), que ofereceu apoio às artesãs na produção e comercialização dos produtos. O programa beneficiou, também, os municípios de Floresta e Tacaratu, mas a Associação Café com Arte, de Petrolândia, comandada por Fafá, se destacou.
As artesãs receberam qualificação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que intermediou o contato com consultores para levar a arte do sertão para o exterior. Os produtos começaram a ganhar visibilidade com a comercialização local. Artistas brasileiros começaram a usar e, a partir daí, as peças se tornaram cobiçadas e chamaram atenção no mercado internacional. "Isso nunca foi um pensamento, isso nunca foi um sonho. Sonhei com muita coisa, menos ir à Paris", contou Fafá, que disse estar ansiosa para a viagem.
Os itens do desfile são confeccionados especialmente de couro de tilápia. Os produtos pernambucanos chegarão à França pelas mãos da curadora Diva Pavesi, franco-brasileira que preside a Divine Académie des Arts Lettres et Culture, que tem por objetivo condecorar grandes personalidades das artes, ciências, letras e cultura. Ela passou vários dias com as artesãs, apresentando as tendências da moda francesa, que estão em alta no mercado parisiense.
"A Fafá já é reconhecida e respeitada por construir suas próprias peças. Mas no caso de Paris, capital das artes e da moda, é necessário elaborar uma coleção capsular e totalmente voltada ao mercado europeu", contou Diva. O projeto contará com a ajuda do designer Cláudio Costa, também do Sertão de Itaparica. As modelos que vão usar os produtos ainda não foram escolhidas.
A caminho da exportação
Pioneira no uso da matéria-prima, Fafá contou que, por meio do beneficiamento do couro da tilápia e outros tipos de couro, como o de cabra e boi, a Associação Café com Arte tem produzido diversas peças, como sapatos, sandálias, bolsas, carteiras, mochilas, cintos, chaveiros e bijuterias. Em vez de incinerar o material, os piscicultores armazenam as peles para doar às artesãs. A matéria prima passa pelos processos de curtimento, pigmentação, design, modelagem, corte e costura, até ganharem forma.
O objetivo, segundo a idealizadora, é futuramente exportar os produtos em larga escala. "A expectativa de levar os nossos trabalhos é grande. Nós vamos para a Cidade Luz! O produto foi muito valorizado e aprovado lá. Sou muito grata por isso e espero que o nosso trabalho, do sertão de Itaparica, brilhe em vários lugares", disse.
O sonho de levar a cultura sertaneja para o mundo também é o desejo da curadora Diva Pavesi, que já planeja uma estratégia de marketing para os produtos pernambucanos. Além da presença no evento, a intenção é levar as peças artesanais para grandes feiras internacionais, como em Milão e Dubai. A eternização da cultura regional pernambucana em Paris será levar, no futuro, à exposição ao Carrousel Du Louvre.
Capacitação de mulheres
Segundo o secretário do Trabalho, Emprego e Qualificação de Pernambuco, Alberes Lopes, a região do sertão de Itaparica já foi palco de inundações, altos índices de suicídio, ócio e depressão. Ele destacou a importância da iniciativa que promoveu a qualificação das mulheres. "É um dos projetos que mais me emociona. Muitas sofriam de depressão e enfrentavam dificuldades dentro de casa. Hoje, elas têm sua própria renda e estão com a autoestima resgatada", disse o responsável pela pasta, que pretende conceder à Fafá o título de patrimônio imaterial vivo do município.
O gerente do Sebrae-PE, Henrique Malaquias, frisou a importância da parceria celebrada com o Estado e a comunidade. "A Secretaria acreditou no projeto, no nosso sonho e onde ele poderia chegar e, a partir do momento em que ele foi andando, que foi construindo e renovando para ciclos posteriores, ele demonstrou a sua força e sua capacidade de chegar que é Paris", celebrou.
Do Diario de Pernambuco - Foto: Rafael Furtado/Divulgação
